26 abr

O objetivo das empresas não é o lucro

Este é um assunto muito interessante de debatermos, pois quando faço a pergunta sobre qual é o objetivo das empresas a grupos de pessoas, mais de 90% respondem que é obter lucro. Ocorre que esta não é a resposta certa, pois o objetivo das empresas não é o lucro, obviamente ele faz parte, mas não exclusivamente o objetivo delas. Para entender melhor isso precisamos definir alguns pontos.

O que é uma empresa?

Conceituando

Segundo Peter Druker, é, basicamente,

uma estrutura relacional humana e não deve ser confundida com seus ativos, sejam quais forem”.

Foi definido que as empresas devem possuir personalidade jurídica, de onde surgem as pessoas jurídicas. Mas o que são pessoas jurídicas?

De acordo com os artigos 40 a 69, do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002), podemos identificar que pessoa jurídica é

a figura jurídica idealizada capaz de direitos e deveres na ordem civil. Pode ser formada por pessoas naturais ou por bens.
As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo e de direito privado.”

Ainda segundo o Saber Jurídico (www.saberjuridico.com.br) a pessoa jurídica é

aquela que sendo incorpórea, é compreendida por uma entidade coletiva ou artificial, legalmente organizada,
com fins políticos, sociais, econômicos e outros, a que se destine, com existência autônoma,
independente dos membros que a integram. É sujeita ativa ou passivamente, a direitos e obrigações.
As pessoas jurídicas classificam-se de acordo com a sua natureza, constituição e finalidades, em pessoas jurídicas
de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e pessoas jurídicas de
Direito Privado (sociedades civis, sociedades comerciais, fundações, etc).

Bem, desta simples definições já podemos inferir que nem todas as pessoas jurídicas visam ao lucro. Imaginem se um hospital público fosse visar ao lucro, como ficaria a saúde das pessoas mais pobres, que já não considerada boa… Ok, então daqui em diante passaremos a tratar de empresa como sendo as pessoas jurídicas de direito privado, apenas.

Claro que ainda há outra distinção a fazer, pois existem as empresas com fins lucrativos e sem fins lucrativos. Então, qual a diferença entre elas? A diferença é sútil ao contrário do que muitas pessoas pensam. O fato de uma empresa ser sem fins lucrativos, não significa que ela não gere lucro, apenas significa que os lucros gerados por ela não podem ser distribuídos na forma de dividendos para as seus sócios/acionistas, devendo ser integralmente reinvestidos no negócio. Já as empresas com fins lucrativos são as que distribuem os seus lucros aos sócios/acionistas. Aqui separarei as sem fins lucrativos, chamando-as de entidades e as com fins lucrativos serão as nossas empresas.

Desta forma então, definiremos como empresa, para fins desta discussão a pessoa jurídica com fins lucrativos e com o objetivo de exercer alguma atividade particular, produzindo e oferecendo bens e/ou serviços, com o objetivo de atender a alguma necessidade humana.

Composição

De acordo com a definição do tópico anterior, podemos identificar a composição de uma empresa como sendo o conjunto de sócios/acionista que detém a propriedade de suas cotas/ações com direito a voto.

Desta forma e em função de sua composição, podemos inferir que este conjunto de pessoas, que colocou suas economias na empresa possuía algum objetivo com isso e portanto, por serem eles quem detém o direito a voto na empresa, esta naturalmente buscará alcançar os objetivos deles. Aqui então já podemos passar ao próximo tópico.

Por que alguém investe em uma empresa?

Imagine que você tenha dinheiro sobrando em casa e esteja decidindo o que fazer com ele. Você colocá-lo na caderneta de poupança, num fundo de renda fixa, fundo de renda variável, investir na bolsa de valores, ou montar uma empresa nova. Qual seria a sua decisão? Dependerá de quem lhe der o melhor retorno. Repare que não estou falando de lucro, mas de retorno e já deixarei clara a diferença.

Retorno

Como retorno definimos o valor que um investimento qualquer nos paga,

Digamos que coloque o seu dinheiro na caderneta de poupança. Você obterá um retorno de 6,17% no ano, ou seja, se você tivesse $ 100.000, obteria um retorno de $ 6.170.

Note que há uma diferença grande entre retorno e lucro, pois para retorno não levamos em consideração quanto nos custou para realizar o investimento. Por exemplo, suponha que investirmos $ 100.000 em um ativo e tivermos um custo de $ 2.000 nesta operação. Após determinado período retiramos o montante total de $ 101.200. Podemos afirmar que o nosso retorno foi de $ 1.200, ainda que o resultado da operação tenha sido um prejuízo de $ 800, uma vez que gastamos $ 2.000 para receber $ 1.200.

Lucro

Se colocar o seu dinheiro em um RDB pré-fixado com taxa de 8% ao ano, obterá um retorno de $ 8.000, deduzido o Imposto de Renda de 15% dele, ficará com um lucro de $ 6.800. É pouca coisa superior ao da caderneta de poupança, mas é superior.

Repare que definimos lucro como sendo o excedente produzido por um investimento após a dedução de seus custos.

Desta forma, caso você invista os seus $ 100.000 em uma empresa e ao final do ano esta empresa apresente um lucro (Receitas – Despesas – Custos) de 4,5%, ou seja, de $ 4.500, poderemos chamar isso de lucro? Claro que sim, investimos $ 100.000, geramos receitas, pagamos custos e despesas e após todos estes ainda nos sobrou um excedente de $ 4.500. Em outras palavras, no ano passado tinhamos $ 100.000, agora temos $ 104.500, graças ao nosso lucro.

Você estaria satisfeito com este lucro de $ 4.500? Naturalmente que não, pois teria ganho $ 6.170 investindo na caderneta de poupança, ou $ 6.800 no título de renda fixa.

O que podemos constatar aqui? Que você teve lucro, pois gerou um excedente de $ 4.500, mas no final das contas, deixou de ganhar dinheiro (é bem verdade que não perdeu, mas deixou de ganhar), por ter realizado o pior dos três investimentos.

Sabendo que isto aconteceria, você investiria nesta empresa? Naturalmente que não.

Caso já sócio da empresa e esta situação fosse comum nela, você permaneceria de sócio dela? Também não.

Tendo poder nas decisões da empresa, você tentaria fazer algo para garantir que não deixaria de ganhar dinheiro? Claro que sim.

Na condição de sócio você teria condições de influenciar nas decisões da empresa? Sim

Considerando que a empresa não atua com estratégia em desacordo com a de seus sócios, até mesmo porque são estes que definem a estratégia dela, podemos afirmar que as empresas buscam os objetivos de seus sócios? Claro que sim.

Então podemos afirmar que o objetivo das empresas é o objetivo de seus sócios? Novamente, sim.

Também podemos afirmar, com base nas afirmações e cálculos anteriores, que o objetivo dos sócios não é apenas o lucro? Sim denovo, pois o sócio não ficaria satisfeito em ganhar $ 4.500, quando poderia ter um ganho $ 6.800.

Ora, se o objetivo das empresas é o objetivo de seus sócios e o objetivo deles não é o lucro, podemos inferir que o objetivo das empresas não é o lucro!

Mas afinal de contas então, qual o objetivo das empresas?

Maximização de Riquezas

Segundo Lawrence J. Gitman

O objetivo da empresa e portanto, de todos os seus administradores e empregaods, consiste em
maximizar a riqueza dos proprietários em cujo nome é operada.

Qual lógica temos por trás disso? Simples, no exemplo de investimentos anterior em qual você investiria os seus $ 100.000?

Investimento

Retorno

Resultado

Situação

Caderneta de Poupança

$ 6.170

Lucro de $ 6.170

Deixou de ganhar $ 630

RDB pré-fixado

$ 8.000

Lucro de $ 6.800

Ganho máximo

Ativo

$ 1.200

Prejuízo de $ 800

Perdeu $ 800, além de deixar de ganhar $ 6.800.

Nesta simples tabela podemos identificar a diferença dos conceitos:

  • Obtivemos retorno positivo em todos eles, portanto se nosso objetivo fosse obter retorno, não haveria diferença entre eles na hora de investir;
  • Obtivemos lucro nos dois primeros, neste caso sendo o lucro o nosso objetivo aprovaríamos qualquer um deles;
  • O maior ganho foi obtido apenas no segundo, neste caso ele seria o único investimento aprovado caso nosso objetivo fosse a maximização de riquezas.

Lucro é um conceito simples, onde $ 0,01 pode ser lucro, já maximização de riquezas é um conceito mais amplo!

Enquanto na avaliação de lucro consideramos apenas o resultado de um determinado período, na maximização de riquezas costumamos trabalhar com horizontes mais longos, aceitando inclusive incorrer em prejuízos momentâneos para a geração de resultados futuros mais vantajosos. Portanto consideramos como componentes da maximização de riquezas os seguintes fatores:

  • potencial de lucro;
  • tecnologia absorvida;
  • preço de mercado da empresa;
  • imagem da empresa e de seus produtos;
  • qualidade dos produtos/serviços produzidos pela empresa;
  • participação no mercado;
  • estratégias financeiras;
  • equipe (pessoal).

Prova disso é que existem exemplos de empresas que mesmo em momentos que sofram prejuízos, tem seu valor de mercado aumentado, desta forma maximizando a riqueza de seus proprietários, pois não podemos esquecer que a riqueza dos proprietários não é medida apenas pela distribuição de lucros que recebem, mas também pelo valor de suas cotas/ações da empresa.

Em que consiste a maximização de riquezas, então? A maximização de riquezas consiste em obtermos o máximo lucro possível a um dado nível de risco.

Analisando a tabela anterior não poderíamos simplesmente afirmar que na realidade o objetivo da empresa é a maximização de lucro? Não e eu explico adiante.

Maximização de Lucro

Ainda que muitos acreditem ser este o objetivo das empresas, ele não o é. Se o fosse, segundo Laurence J. Gitman

“o administrador financeiro somente praticaria atos que  tendessem a fazer uma grande contribuição
para os lucros totais da empresa. Dentre cada conjunto de alternativaas considerado,
o administrador financeiro escolheria o que devesse resultar em maior resultado monetário.

Mas então, porque esta não é uma forma boa de definir o objetivo? Como o próprio Gitman menciona, ele possui três problemas muito grandes:

  1. o lucro é medido sem que levemos em consideração o momento de ocorrência de seus retornos, como se não houvesse variação do valor do dinheiro no tempo. Atente que no Demonstrativo de Resultado do Exercícios (oriundo da Contabilidade da empresa), constam valores de retornos do ano fiscal inteiro, sendo tratados de forma igual, independentemente de um recebimento haver ocorrido em Janeiro e o outro em Dezembro;
  2. não são considerados para a determinação do lucro os fluxos de caixa disponíveis para os sócios/acionistas, ou seja, ainda que indiquemos a existência de lucro, não há garantia de que haverá o valor monetário dele disponível;
  3. não há consideração alguma do risco envolvido no negócio.

Ainda que no item1., possamos contra argumentar que os juros obtidos com o investimento dos recursos recebidos no início do ano também estarão constando do demonstrativo, ele despreza completamente o custo de oportunidade.

Risco

A maximização do lucro ainda ignora, conforme o item 3. acima, o risco, que segundo Laurence J. Gitman é

a possibilidade de divergência entre os resultados reais e os esperados.

Pessoalmente prefiro definir risco de uma forma mais genérica, como sendo

a probabilidade de nossas expectativas serem frustradas, sejam elas quais forem.

Na área financeiro estuda-se que sempre há um equilíbrio entre risco e retorno, ou seja, quanto maior o risco envolvido na operação, maior será o retorno obtido nela. Desta forma podemos inferir que jamais faremos investimentos mais arriscados, sem que nos seja oferecida uma remuneração maior, para compensar o risco. Ainda podemos concluir, que sendo a maximização do lucro o objetivo da empresa, seriam realizados investimentos cada vez mais arriscados, para que fosse sempre obtido o lucro máximo e nem sempre esta é a vontade dos sócios/acionistas.

Como a maximização de lucros não leva em conta esta questão de risco, podemos afirmar que ela não atenda aos objetivos dos prorpietários da empresa e portanto, não deva ser utilizada, ou como afirma Laurence J. Gitman

Por não atender aos objetivos dos proprietários da empresa,
a maximização do lucro não deve ser o objetivo principal do administrador financeiro.

Como funciona isso então? Como a sensibilidade ao risco é particular de cada pessoa, caberá aos proprietários da empresa definirem o nível de risco que aceitam correr e aos administradores dela, identificar quais investimentos atendem a estas condições e dentre estes os que oferecem o maior retorno, para que apenas eles sejam os eleitos, desta forma maximizando a riqueza de seus proprietários.

Seleção dos investimentos

A seleção dos investimentos passa pela identificação de todos disponíveis no mercado, para a posterior seleção dos que melhor atenderem aos interesses da empresa, ou em outras palavras, aos interesses dos proprietários da empresa.

Como fazemos isso? Suponhamos que hajam apenas três investimentos disponíveis no mercado (exemplo simplório, mas suficiente para passar a lógica) e que os seus riscos e retornos estejam previstos no gráfico abaixo:

image

Neste caso simples identificamos haver

  • dois investimentos com menor risco: 2 e 3
  • dois investimentos com maior retorno: 1 e 3

Qual você escolheria? Aquele que fosse maximizar a sua riqueza, ou seja, o de máximo retorno a um dado nível de risco: 3

Os outros não gerariam lucro? Sim, mas a melhor opção é o 3, por ser o que gerá o maior retorno, possuindo o menor risco.

Aqui chegamos na teoria da fronteira eficiente idealizada por Harry Markowitz em 1952, segundo a qual devemos escolher apenas os investimentos que estejam nesta fronteira, pois serão os únicos a maximizar nossa riqueza.

image

Ainda que o modelo de Markowitz tenha sido desenvolvido para investimentos em ações, ele aplica-se perfeitamente no nosso exemplo.

Conclusão

Analisadas as características da composição das empresas e dos retornos de investimentos, fica muito claro que o objetivo das empresas não limita-se ao foco no lucro, mas sim, no foco em muitas outras variáveis, sendo portanto o mais correto afirmar que o objetivo das empresas é a maximização da riqueza de seus proprietários!

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Contador, Analista e Desenvolvedor de Sistemas, com especializações em Contabilidade, Finanças e Análise de Dados, além de mestrado em Contabilidade e Finanças e cursos de extensão em instituições de ensino internacionais, nas áreas financeira e de análise de dados (Yale University, University of Michigan e Johns Hopkins University). Professor Universitário de Graduação em Porto Alegre e Pós-Graduação nas cidades de Porto Alegre, Caxias do Sul, Osório e Miami (USA), palestrante em diversos eventos no Brasil e Estados Unidos, desde 2005. Master Coach Trainer, membro da ICF Brasil e IAC. Já treinou mais de 10.000 pessoas, desde o ano 2.000, no Brasil e nos EUA. Saiba mais na página Sobre.

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